José Fernandes de Lima
Em novembro de 2018, o bilionário Bill Gates apresentou ao mundo o protótipo de um vaso sanitário que não necessita de água nem de esgoto. Ele reuniu várias pessoas e, diante das câmeras, fez “desaparecer” um pote inteiro de fezes. Foi uma demonstração performática, chamativa, como costumam fazer os gerentes das grandes empresas, quando lançam os seus produtos.
Alguns internautas comentaram nas redes sociais que aquilo estava errado e que o Bill Gattes deveria cuidar de outras coisas mais importantes.
Uma análise menos apaixonada sobre o tema mostra, no entanto, que o assunto é de grande importância para a saúde e o bem-estar da população.
As pessoas que moram nas cidades estão acostumadas a usar vasos sanitários que descartam as fezes com a ajuda da água. A mistura é canalizada para uma fossa ou para uma rede de esgoto e sai de perto do indivíduo. Para todos os efeitos, podemos dizer que ela desaparece. Esse sistema está longe de ser perfeito, pois alguns países sequer conseguiram implantar corretamente, mas o uso do esgotamento sanitário foi um grande avanço para a saúde das pessoas.
Hoje em dia, estamos todos convencidos de que o tratamento do esgoto sanitário é um serviço muito importante para qualidade de vida da população. Sabemos que o contato direto com dejetos aumenta significativamente o risco de doenças como a hepatite, a cólera, a ascaridíase e a esquistossomose. Um dado preocupante é o fato dos principais prejudicados a serem as crianças.
A preocupação com o descarte dos dejetos é uma coisa relativamente recente.
Se o leitor visitar o Palácio de Versalhes, vai constatar a presença de urinóis artisticamente trabalhados. A existência desses equipamentos é um atestado da inexistência de fossas e de esgotos.
No século XIX, em Londres, as pessoas ainda jogavam as fezes pela janela. A epidemia de cólera de 1854 matou mais de 50 mil pessoas. A população acreditava que a doença era espalhada pelo ar. Foi o médico e pesquisador John Snow quem observou que a doença era transmitida através dos dejetos que contaminavam as fontes de água que abasteciam a cidade. Os sistemas de esgoto de Londres só foram iniciados anos depois desses episódios.
Com o passar do tempo, as pessoas começaram a utilizar a famosa “casinha” que era nada mais, nada menos que um buraco com uma tábua em cima. De cócoras, em cima dessa tábua, os indivíduos faziam as suas necessidades. Na sequência, houve uma evolução para o uso da fossa e finalmente para o uso do esgoto.
A passagem da “casinha” aberta para fossa já implicou no avanço da tecnologia. A fossa necessita de um suspiro porque sem ele os gases retornam direto para sua casa.
Outro avanço importante foi o uso do sifão. O sifão é aquela curvinha que existe na tubulação debaixo da pia ou na parte inferior do vaso sanitário. A finalidade do sifão é impedir que os gases e o mau cheiro retornem para dentro da sua casa.
Observe o leitor que até agora o nosso trabalho tem sido feito no sentido de colocar os dejetos para longe de nós.
A dificuldade aparece quando descobrimos que fazer só isso não resolve o problema, pois sempre que eu empurro prá lá, alguém empurra prá cá.
Qual é a solução?
É tratar o esgoto antes de descartá-lo.
Esse tem sido o grande desafio, notadamente nas cidades grandes. A alternativa de jogar o esgoto no rio ou jogar no mar não funciona mais. É necessário tratar o mesmo antes do descarte.
É por isso que o projeto apresentado pelo Bill Gattes é importante. Ele está dizendo: Eu não jogo dejetos no rio, eu não jogo dejetos no mar, eu simplesmente faço com que eles desapareçam.
Desapareçam como?
Quimicamente. O protótipo apresentado transforma os dejetos corporais em água limpa e fertilizantes.
No Brasil, novo marco legal do saneamento básico, aprovado pelo Senado, em junho de 2020, estabelece as metas de 99% da população com água potável em casa e 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033.
São metas ambiciosas, pois ainda temos 100 milhões de pessoas que não possuem acesso ao serviço de coleta de esgoto e outras 35 milhões que não têm acesso à água tratada.
Por isso, o lançamento do novo vaso sanitário, para além de ser uma jogada de marketing, pode ser um bom motivo para refletirmos sobre a saúde da nossa população.