SOBRE OS PERSONAGENS QUE PULAM PARA VIDA REAL

José Fernandes de Lima

Tenho notado que alguns personagens estão pulando da literatura tradicional para as páginas das colunas sociais.

As notícias que aparecem nos jornais e nas revistas dão a impressão de que estamos falando de alguém conhecido ou de alguma celebridade.

A título de exemplo, vou citar alguns nomes.

O primeiro é o PIB. Os jornais falam do PIB como quem fala de uma criança e outras vezes, como quem fala de um idoso. Dizem: esse ano, o PIB cresceu bastante ou esse ano o PIB já cresceu mais de 2%. Quem lê essa notícia pode pensar que estão falando de uma criança.

Outro dia, dizem: o PIB caiu. Eu quando ouço essa notícia, fico imaginando o coitadinho escorregando na calçada. Vai ver, ele andou passeando nas calçadas irregulares de alguma capital brasileira.

Há outro personagem cuja fama de mal-humorado o torna muito importante. É um tal de Mercado.

Quase toda semana, ouvimos notícias do tipo: o Mercado anda muito nervoso. O Mercado não está gostando nada disso. O Mercado não admite esse tipo de comportamento do governo. O governo – coitado – não pode nem fazer uma besteirinha que o Mercado já fica inquieto.

Não conhecemos as suas feições, não sabemos as roupas que usa, nem onde mora. O que sabemos é que ele não gosta de aumento de salários, não quer nem ouvir falar de aumento de gastos públicos.

Sabemos também que ele é poderoso e que os presidenciáveis vivem rebolando para agradá-lo.

Há duas irmãs que, ao serem citadas, trazem à nossa cabeça uma cena de baile antigo.

São elas, a Ficha Limpa e a Ficha Suja. A Ficha Limpa é aquela irmã bem-comportada, discreta, calma, meio sem sal e a Ficha Suja é aquela voluptuosa, dada, solta, que dança de acordo com a música.

Isso talvez explique por que alguns indivíduos são atraídos pela Ficha Suja, mas não gostam de mostrá-la em público.

Tem um personagem que lembra uma megera.Quando nós ouvimos falar nela, imaginamos logo uma bruxa, ranzinza e capaz de colocar gosto ruim em tudo.

O pessoal da esquerda tem essa personagem em péssima conta.

O leitor já deve ter adivinhado que estamos falando da Zelite.  Já deve ter ouvido alguém dizer que a Zelite é retrograda, não quer que a educação melhore, atrapalha o desenvolvimento do país e trabalha em favor do atraso.

Esse caso é interessante porque, no início, o nome era pronunciado e escrito no plural – dizíamos as Zelites. O tempo foi passando e elas foram consolidadas numa pessoa só, hoje conhecida como Zelite.

Se algum dia decidirmos colocá-la no rol das personagens do bem, talvez tenhamos que sofisticar o seu nome – quem sabe, passa a ser Zellitte, com dois “l” e dois “t”.

Há uma personagem que é quase uma unanimidade em termos de má fama. É a Mídia Golpista.

Antigamente, falar mal da Mídia Golpista era privilégio da esquerda. Hoje, esquerda e direita estão juntas quando o negócio é criticar tal personagem. Ambas concordam que a Mídia Golpista é do mal, que ela deforma as notícias e está sempre a serviço de outro personagem muito importante, que prefere agir na surdina, chamado de Poder Econômico. Como muitos dizem, esse sim, é um bicho papão. Não perde a oportunidade de explorar as pessoas.

Ao lado de tantas personagens cujo prestígio aumenta seguidamente, há pelo menos uma cujo prestígio só decresce. É a coitada da Opinião Pública.

Os jornais informam que a Opinião Pública não tem sido levada em consideração, tem sido desprezada, desvalorizada. Ninguém presta atenção ao que diz a Opinião Pública. Seria melhor até que ela não se pronunciasse.

Todos os dias, nós encontramos personagens tentando pular a fronteira da ficção para vida real. Nem todos com o mesmo sucesso.

Nos últimos anos, os jornais começaram a falar que a Terceira Via estava chegando para modificar o quadro eleitoral e redefinir os destinos da política nacional.

Apesar do número crescente de notícias sobre o mesmo tema, verificamos que o personagem ainda não conseguiu definir uma cara própria. Ninguém sabe dizer o que ela pensa nem o que ela defende.

Isso significa dizer que a anunciada Terceira Via ainda não se solidificou ou não conseguiu transpor a fronteira para o mundo real.

A pandemia trouxe à tona um novo personagem que está ocupando lugar de destaque no cenário nacional.

Os jornais e os canais de notícias já se referem a ela como personagem e já falam que ela tem opinião, que deve ser ouvida e levada em consideração. Dizem que se nós não aprendermos a ouvi-la teremos sérios problemas, no futuro. Dizem até que aqueles que não seguem os seus ensinamentos podem causar danos à sociedade.

Essa nova personagem é a conhecida Ciência.

Nós sabemos o que ela pensa e o que ela defende e já conhecemos algumas vantagens de seguir os seus ensinamentos.

Embora apresente algumas vantagens competitivas, a Ciência não tem o poder de interferir no gosto dos governantes, como tem o Mercado.

Por isso, prevalece a dúvida sobre que espaços o país reservará para as suas opiniões.

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